Em algum momento você já deve ter se deparado com o uso do @, e do X no final de palavras, ou visto alguém escrever “todes” ou “ile” em alguma frase. Essas formas de expressão estão relacionadas à linguagem neutra e inclusiva.
Palavras como todXs, tod@s com arroba, bem vindXs, bem vind@ podem já ter aparecido em suas redes sociais e até na empresa em que você trabalha com a intenção de neutralizar o gênero em alguma comunicação. Mas você sabia que essa forma de usar a neutralidade não inclui todas as pessoas?
Neste artigo, vamos explicar o que é a linguagem neutra, qual a sua importância, além de dicas práticas de como adotá-la no dia a dia da sua empresa.
O que é linguagem neutra?
A forma com que nos comunicamos passa por diversas transformações ao longo do tempo. Impactos culturais, econômicos e sociais moldam a maneira que agimos, pensamos e principalmente falamos. E portanto, é natural que nossa linguagem também se adapte com o surgimento de novos debates.
As discussões sobre o uso de linguagem neutra vêm crescendo com o passar dos anos, especialmente por ativistas e pessoas que fazem parte da comunidade trans. Entretanto, esse tópico não é tão novo quanto se imagina.
Um exemplo disso, é a palavra “Hen”, que surgiu na década de 1960. Trata-se de um pronome pessoal neutro, em sueco, usado como uma forma alternativa aos termos: hon (“ela”) e han (“ele”).
Apesar de ter surgido há quase 60 anos, a palavra passou a ser usada com mais frequência no início do século XXI pela comunidade trans sueca. E desde 2015, o pronome foi incluído no dicionário oficial da Suécia.
Resumidamente, a linguagem neutra, também conhecida como não-binária, é uma forma não sexista de se comunicar, com o objetivo de incluir diferentes grupos que não se sentem representados atualmente. Dessa forma, a linguagem permite flexibilizar a maneira com que já falamos, para evitar a reprodução de falas sexistas.
O que isso quer dizer? Na prática, nossa linguagem atual sempre usa o masculino como padrão. Geralmente, quando nos referimos a grupos de pessoas que incluem homens e mulheres, usamos a forma masculina. Além disso, usamos com mais frequência formas masculinas para nos referirmos a pessoas de gênero desconhecido. Por exemplo: “o leitor”, o “esportista”, os “atores”.
Portanto, a linguagem neutra de gênero é uma forma de comunicação que procura superar — além da generalização do masculino — a binaridade entre feminino e masculino, buscando ser representativa para todas as pessoas, inclusive transgêneros, travestis, não-binárias, intersexo ou que não se sintam abrangidas pelo uso do masculino genérico.
Qual a diferença entre linguagem neutra e linguagem inclusiva?
Segundo artigo da Politize!, a linguagem inclusiva é aquela que busca comunicar sem excluir ou invisibilizar nenhum grupo e sem alterar o idioma como o conhecemos.
Essa linguagem propõe que as pessoas se expressem de forma que ninguém se sinta excluído utilizando palavras que já existem na língua. Um exemplo é algo que escutamos bastante hoje em dia de pessoas que começam seus discursos ou apresentações dizendo: “Boa noite a todos e todas”, com o objetivo de abranger tanto homens como mulheres na conversa.
Já a linguagem neutra ou não binária, embora tenha o mesmo propósito de incluir a todas as pessoas, apresenta propostas para alterar o idioma e aqui entram, por exemplo, as novas grafias de palavras como “amigues”, “todes”, para se referir a pessoas que não se identificam nem com o gênero feminino, nem com o gênero masculino.
Como a comunicação inclusiva se encaixa nessa discussão?
Com tantas transformações digitais, principalmente após os anos 2000, cada vez mais pessoas passaram a ter acesso à internet e a criar conteúdos nos diferentes canais e de diversos formatos.
Neste contexto, é preciso pensar: essa comunicação dialoga com todos os públicos? O conteúdo é representativo e transmite a mensagem com clareza?
Para além da neutralidade de gênero, a comunicação inclusiva também visa passar a informação de uma forma inclusiva, especialmente para grupos historicamente minorizados e excluídos, como o que acontece com pessoas com deficiência, por exemplo.
Segundo a ONU, em 2020, as pessoas com deficiência representavam 1 bilhão do total de 7,7 bilhões de seres humanos no mundo. Somente no Brasil, de acordo com o IBGE, estima-se que haja mais de 17 milhões de pessoas com deficiência.
Entretanto, devido ao histórico de exclusão e preconceito com pessoas com deficiência – conhecido como capacitismo – o conhecimento sobre o tema tornou-se ainda mais distante. Com o passar dos anos, alguns marcos legais foram implementados, o que ajudou a aumentar o debate sobre inclusão e acessibilidade, como:
- Lei de Cotas (artigo 93 da Lei nº 8.213), de 1991, que define um percentual de contratação de empregados para empresas com 100 empregados ou mais;
- A ratificação da Convenção da ONU dos Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006, como Lei Constitucional;
- E a LBI (Lei Brasileira de Inclusão) (Lei nº 13.146), aprovada pelo Congresso Nacional em julho de 2015.
Pensando nisso, é importante não só discutir sobre as diferentes formas de acessibilidade, como quais caminhos seguir para adotá-las.
Existem diversas maneiras de tornar a comunicação, no geral, mais inclusiva e acessível. Como, por exemplo, criar conteúdos com legendas, audiodescrição, dublagem, apoio de intérprete de Libras, e outras formas que pretendem garantir o acesso ao conteúdo para todas as pessoas.
Comunicação inclusiva trata-se de possibilitar que diferentes pessoas possam acessar e consumir aquele conteúdo, de maneira que não sejam excluídas. Um outro exemplo disso é uma comunicação que não reproduz estereótipos, não exclui pessoas com baixa escolaridade e busca valorizar a pluralidade e respeitar as diferenças.
Saiba mais sobre o conceito de comunicação inclusiva e acessível, neste material feito pela REIS – Rede Empresarial pela Inclusão Social pela empregabilidade da pessoa com deficiência.
Língua Portuguesa x Linguagem Neutra
A regra de usar pronomes masculinos quando queremos falar de forma genérica foi determinada nos anos 60, por um linguista chamado Joaquim Mattoso Câmara Jr.
Mudar isso não é fácil e encontra resistências. Ano passado, a vereadora Michele Collins apresentou projeto de lei proibindo o uso da “linguagem neutra”, do “dialeto não binário” ou de qualquer outra forma de linguagem que modifique a utilização da norma culta nas instituições de ensino do Recife.
Essa iniciativa aconteceu depois de algumas escolas do Brasil terem iniciado o movimento de adotar a linguagem neutra nas comunicações e no dia a dia escolar. Mas, a verdade, é que a língua está sempre em movimento, por isso é muito importante entendermos a necessidade como a demanda que a atualidade traz a respeito da inclusão de grupos de pessoas, tornando a nossa comunicação cada vez mais inclusiva.
Antes de tudo, é preciso respeitar todas as identidades de gênero e como essas pessoas preferem ser chamadas. Portanto, é importante manter em mente que certas escolhas linguísticas são essencialmente políticas: quando falamos ou escrevemos, mostramos o que somos e o mundo que queremos.
O professor titular do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, Sírio Possenti, explica como a linguística vem olhando para o crescente movimento que tem chamado atenção para o sexismo na linguagem, e também reivindicado novas formas de uso da língua que abranjam a diversidade de identidades de gênero presente na sociedade. Segundo ele, não é possível ignorar as formas discriminatórias marcadas na língua:
“A língua não funciona no vácuo”, defende ele, questionando as vertentes teóricas que insistem que o sexismo não estaria na língua, e sim no discurso, numa abordagem que se pretende isenta dos valores sociais e permanece focada apenas no aspecto léxico da língua.
Por que adotar a linguagem inclusiva?
Pessoas que defendem o uso da linguagem neutra e inclusiva acreditam que isso colabora para:
- Denunciar a intolerância de gênero e visibilizar todos os gêneros, inclusive aqueles que se identificam com gêneros neutros;
- Valorizar, respeitar e acolher a diversidade;
- Não privilegiar algumas pessoas em detrimento de outras;
- Levantar debates e reflexões a respeito da desigualdade de gênero para além da linguagem
Nas empresas, comunicar-se de forma inclusiva significa ter a consciência de que um ambiente de trabalho é composto por pessoas com diferentes características e identidades e, por isso, é importante comunicar-se incluindo, valorizando, respeitando e acolhendo toda a diversidade inerente ao ser humano.
Organizações ao redor do mundo já estão adotando essas mudanças, como, por exemplo, a companhia Air Canada, que em 2019 anunciou que não irá mais usar termo definidor de gênero para falar com seus passageiros. Em vez de anunciar “ladies and gentleman” (“senhoras e senhores” ou “damas e cavalheiros”, em português), funcionários da empresa foram orientados a usar “everybody” (ou “todos”).
A empresa afirmou em nota que a política é “parte de seu compromisso em respeitar identidade sexual, diversidade e inclusão”.
Seguindo outras companhia aéreas globais, a empresa Japan Airlines (JAL), que anunciou em 2020 que irá deixar de usar a expressão em inglês “ladies and gentlemen” (em português, “senhoras e senhores”), passando a saudar os passageiros apenas com cumprimentos de gênero neutro como “bom dia” ou “boa noite”.
Dicas de como adotar adotar a linguagem inclusiva no dia a dia
Como sua empresa pode aderir ao uso dessa linguagem gradativamente? Reunimos algumas dicas que podem ser adotadas por você e sua equipe, confira:
Em parceria com a Muda Disso, construímos um curso exclusivo para a comunidade do Diversidade SA, nossa plataforma educacional que visa ajudar as empresas que querem executar ações de D&I na organização.
Confira um trecho do conteúdo, feito por Edu Nicola, onde ele traz alguns conceitos básicos da linguagem neutra e como é possível adotar essa mudança nas comunicações da empresa.
Nos inspiramos nesse artigo da Thoughtworks e no Manual Prático de Linguagem Inclusiva, de André Fischer, para trazer outras dicas de como adotar essa linguagem no dia a dia:
- Não use o “X” e “@” para flexibilizar o gênero
Adotar o uso dessas letras pode dificultar o acesso à informação para pessoas com deficiência visual que usam programas leitores de texto, pessoas com dislexia, alfabetismo elementar, ou para quem simplesmente não tem informações sobre o significado desses códigos. Resumidamente, essa forma de escrita não promove uma mudança significativa na forma de pensar uma linguagem inclusiva.
- Evite usar artigos ou pronomes que determinem gênero
É muito comum usarmos “eles”, “aqueles” e substantivos no masculino para se referir a pessoas não identificadas ou desconhecidas. Uma alternativa a essa forma é eliminar ou substituir o pronome por “quem”, “alguém” ou outras palavras que mantenham o mesmo sentido.
Por exemplo, ao invés de falar “Vou enviar para eles aprovarem” opte por “Vou enviar para aprovarem” ou “enviar para aprovação”.
Ao invés de falar “Os líderes da empresa”, opte por somente “líderes da empresa” ou “lideranças da empresa”. Outro exemplo é “os participantes do evento”, pode ser substituído por “participantes do evento” ou “pessoas participantes / que participaram do evento”.
- Para substantivos que variam de acordo com o gênero, use “pessoas”.
Essa palavra pode ser usada de diversas formas para neutralizar a frase, como por exemplo: “Os interessados precisam se candidatar…”, pode ser substituído “pessoas interessadas podem se candidatar” ou “Executivos”, para “pessoas executivas / em posições executivas”.
- Evite o uso de termos masculinos a palavras que se referem às instituições
Procure usar substantivos que se referem às instituições e não às pessoas que fazem parte delas. Um exercício simples de reflexão é não reforçar a ideia de que todas as pessoas de determinado grupo são homens. Como, por exemplo: “Os diretores”, pode ser substituído por “A Diretoria”. Ou “os paulistanos” para “a população de São Paulo”..
- Informe quais pronomes você se identifica
Uma dica é incluí-los nas redes sociais e biografias profissionais. Dessa forma, cada pessoa consegue sinalizar a forma que prefere ser referenciada. Tanto em assinaturas como em apresentações presenciais, sinalize falar seu pronome na introdução sem esperar por uma pergunta. Por exemplo: “Sou Maria e uso o pronome ela.”
E se eu não souber o pronome de alguém? Pergunte! Não é uma falsa imposição ou erro social imperdoável interromper a pessoa e perguntar com respeito, é uma habilidade importante para cultivar. Como, por exemplo: “Desculpe, quais são seus pronomes?” ou “Você pode me lembrar seus pronomes, por favor?”.
Sabia que, recentemente, o LinkedIn adicionou um novo campo para profissionais da rede incluírem seus pronomes no perfil?
O recurso faz parte da campanha #ProudAtWork, lançada ano passado para celebrar o mês do orgulho LGBTQIAP+. A funcionalidade veio com o intuito de tornar a rede mais inclusiva e diversa. Para definir seus pronomes, basta clicar na sua foto de perfil, em seguida “Visualizar perfil”, e editar o campo “Pronomes”.
- E se o texto soar estranho?
Por sermos pessoas tão acostumadas a usar os padrões da linguagem binária predominantemente masculina, é comum que as alternativas apresentadas para o uso da linguagem neutra causem certo estranhamento.
Mas cabe o questionamento: não é estranho também o fato de usarmos formas masculinas para nos referirmos a pessoas que não se identificam com o gênero masculino? A necessidade de repensar nossos padrões e mudar nossa forma de olhar para a língua e para a linguagem é um dos pontos que podem nos ajudar a caminhar para ambientes mais inclusivos e plurais.
Como a Blend Edu pode apoiar sua empresa nessa jornada de inclusão?
A Blend Edu é uma startup de inovação em Diversidade e Inclusão que inspira, capacita e mobiliza pessoas a colocar a diversidade em prática nas organizações.
Atuamos com ações educacionais, projetos de capacitação, treinamentos e diferentes soluções para impulsionar uma transformação cultural. Entre em contato com a gente mandando um e-mail para contato@blend-edu.com, ou preencha os campos de contato abaixo.