Esse artigo foi elaborado para destacar os principais pontos sobre o tema Diversidade e Inclusão apresentados durante o evento Kenoby Talks, o maior evento da área de Recrutamento e Seleção do Brasil. Abaixo, mostramos os highlights da palestra “Construindo uma empresa diversa: um processo que carece de consistência e coerência”, com falas de Daniela Cachich, VP de Marketing da Pepsico.
“O que mais a gente vai fazer?”
Quando eu trabalhei com a marca Dove, em 2004, estava começando um posicionamento de diversidade, onde o padrão de beleza ainda era o inatingível. Foi quando eu percebi que era muito mais do que vender um sabonete ou um hidratante, mas era sobre o impacto que a gente estava causando na vida das mulheres. Foi aí que eu falei “a partir de agora, quando eu trabalhar com uma marca, eu vou me perguntar, além de como vender o produto, como eu posso transformar positivamente a sociedade?”
Até porque, nós, quando estamos em grandes marcas, a gente tem o poder de reforçar estereótipos ou usar o nosso privilégio para fazer algo transformacional na sociedade. Desde então, na minha carreira, eu pergunto: “o que mais a gente vai fazer?”
Quando eu saí da Unilever, eu saí do mercado de cerveja, que historicamente sempre representou a mulher de forma objetificada. Naquele momento, eu me perguntei se a cerveja de fato só conseguia se comunicar dessa forma. Porque muitas mulheres são consumidoras de cerveja e pra mim parecia muito estranho objetificar o próprio público. A comunicação pode ser muito mais inteligente que isso. Eu fui uma das que mais batalhei por isso lá dentro.
A Doritos Rainbow
Quando eu fui pra Pepsico, no final de 2016, logo em junho de 2017 a gente estava lançando Doritos Rainbow aqui no Brasil. A Doritos vem fazendo um trabalho muito importante, não só pra fora mas também para dentro da companhia. Foi muito bonito ver, no lançamento, funcionários falando que, naquele momento, eles se sentiam confortáveis em dizer que eram LGBTI+.
Eu pude ver como o posicionamento de marca tem impacto na cultura e nos valores a empresa. E isso foi muito bom porque a gente teve um grande impacto na atração e retenção de talentos por conta da diversidade estar, de fato, no DNA da companhia. Por isso que nós precisamos falar, principalmente, pra dentro da empresa, para que a gente estimule que os funcionários compartilhem, se sintam orgulhosos e seguros de trabalhar ali. E o fato é que você não precisa fazer parte dos grupos minoritários para ser aliado da causa e as pessoas entenderam isso.
As pessoas precisam entender que a diversidade não é generosidade. Estamos falando sobre refletir, na nossa comunicação e no nosso posicionamento, a realidade brasileira. Me incomoda quando falam “as mulheres, as minorias”, porque nós somos metade da população brasileira. Então, é sobre estarmos atentos a quem são nossos consumidores. Quando me perguntam sobre não ter medo da marca não crescer, eu digo que quando nós somos coerentes com o que tá acontecendo na sociedade, é aí que nós conseguimos gerar um crescimento sustentável. A gente precisa crescer, ganhar com o propósito.
Então, o principal desafio é como a gente associa um posicionamento de diversidade e inclusão ao crescimento do negócio e como isso traz resultados. Se a gente não escutar o que é relevante para as pessoas e o que elas estão falando, nós não vamos atingir os consumidores, porque as pessoas e os consumidores são os mesmos. Outra coisa também é que não dá pra ser unânime, a questão é respeitar quem acredita e não acredita, mas reforçando que as empresas e as marcas têm um posicionamento também. Isso é uma coisa que a Pepsico está fazendo e a gente tá entendendo que isso significa um crescimento real para o negócio. Existem vários estudos que mostram que isso entrega mais resultados.
Uma mulher na liderança
Eu tenho 46 anos, quando eu comecei a trabalhar, com 20 anos, para eu querer trabalhar na minha posição, naquela época, eu tinha que decidir me portar como um homem, me vestir como um homem, não ter filhos etc. E quando a gente vai vendo referências que não precisam fazer isso, que podem ser quem elas são nas empresas, isso é um ponto muito positivo para as meninas que querem estar nesse lugar.
Eu vejo a importância de ter mulheres em cargos de alta liderança para que haja uma diversidade de ideias e pensamentos. Então, é muito importante que a gente dê oportunidades para que as mulheres que compõem a base cheguem em cargos altos e influenciem a tomada de decisão.
A mulher tem quase que uma barreira de falar que ela quer crescer e chegar em cargos de alta liderança. Um estudo do Google mapeou a quantidade de aplicações e vagas e oportunidades, e eles perceberam que a quantidade de homens era muito que a de mulheres porque os homens que tinham os 70% dos requisitos pensavam “os outros 30% eu adquiro quando eu entrar” e as mulheres que tinham 85% dos requisitos não se candidatavam porque achavam que ainda não tinham os 15%.
Então a minha mensagem para as meninas é: acreditem no potencial de vocês. Muitas pessoas vão falar que vocês são incompetentes, que vocês não são talentosas… Mas eu decidi que ninguém ia me colocar em um lugar de que eu não tenho potencial. Meu conselho é: tenha uma conversa muito honesta com o seu gestor no sentido de “o que eu preciso para chegar lá?”.
Como os homens podem contribuir para o debate
Quando a gente fala de machismo e preconceito, ele vem de homens e mulheres. Mas eu acho que a primeira coisa é se cercar de pessoas que são o seu contraponto. Eu, por ser uma mulher branca, eu preciso interagir com mulheres negras para que elas me mostrem outras coisas, meus privilégios, meus vieses. Então, se cerquem de um ambiente plural que te ajude a ver as coisas de diferentes pontos de vista. A construção das coisas, nesses ambientes, são muito mais ricos. Como as mulheres não são a maioria nos cargos de liderança, a gente precisa dos homens para conquistar a equidade.
Quando nós fizemos a campanha do Doritos Rainbow, eu queria que nós tivéssemos diferentes pessoas, opinando sobre a campanha. Então, quando me apresentaram a campanha, eu pedi a opinião de um dos nossos colaboradores sobre aquilo. E todo mundo ficou meio boquiaberto, mas é sobre isso, eu preciso saber a opinião das pessoas para quem é, de fato, a comunicação.
“É possível deixar um legado trabalhando com marcas”
Diversidade não pode ser um projeto do RH, precisa ser um projeto de todas as lideranças de todas as áreas da companhia. Então, primeiro tem que haver certeza de que o presidente acredita na causa. Porque, senão, nem na hora da contratação isso vai ser uma política da empresa. Isso precisa ser a visão estratégica de cada uma das áreas.
Outra questão importante são os grupos de afinidade, que são um mecanismo de aceleração que eu acredito muito. Na Pepsico tem um de raça, de LGBT+, de negros, de PCD, geracional. E a gente aprendeu com esses núcleos que tinham pessoas que não eram daquele grupo de afinidade, mas que queriam contribuir e entender a importância de uma série de coisas para aquelas pessoas, dentro da companhia.
Nós também precisamos entender que isso é uma jornada. Todas as empresas precisam sair de algum lugar. Defina onde você quer chegar e use o seu privilégio para impactar as pessoas que não estão nos lugares que você pode estar.