Você, provavelmente, já deve ter ouvido em algum momento da sua vida sobre o “Dia do Índio”. Crianças e adultos usando cocares e passando tinta no rosto como uma forma de “homenagear” os povos ainda é algo muito reproduzido, seja nos ambientes escolares ou em festas de carnaval.
Mas será que ainda é correto usar esse termo? Você sabe por que usar esses atributos como fantasia é algo ofensivo? Por onde começar a se informar mais sobre o tema?
Confira, neste texto, a importância da reivindicação dos direitos indígenas, termos e expressões para tirar do vocabulário e como sua empresa pode ser mais inclusiva com essas comunidades.
Invisibilização dos povos originários
Em todo o planeta, estima-se que existam pelo menos 5 mil povos indígenas distintos, que abrangem cerca de 370 milhões de pessoas consideradas indígenas.
Somente no Brasil, são cerca de 900 mil indígenas, representados por mais de 300 etnias, de acordo com o Censo de 2010 do IBGE, e que estão divididos entre áreas rurais (aproximadamente 65%) e urbanas (35%).
Além disso, é importante relembrar a diversidade sociocultural e linguística desses povos. Sabia que mais de 150 línguas indígenas faladas no Brasil estão sob ameaça de extinção? Isso porque, cada vez mais o número de indivíduos falantes vem diminuindo.
Falar sobre visibilidade dos povos indígenas é falar sobre o meio ambiente. Há uma relação mútua de dependência entre ambos, dado que, os povos indígenas contribuem efetivamente para a preservação ambiental, e do outro lado, os recursos naturais são fundamentais para o modo de vida e sobrevivência dessas comunidades.
As terras indígenas localizadas no nosso país estão incluídas no Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (Pnap), ao lado das Unidades de Conservação, que são as áreas passíveis de proteção ambiental.
Entretanto, a história desses povos é marcada por relações desiguais com os estados e as sociedades nacionais, por conta da exploração econômica de territórios, deslocamentos forçados, degradação ambiental, perda de identidade, escravidão e diversas violações ao longo do tempo.
Outro fator que impactou no apagamento histórico desses povos, é que pessoas indígenas mal eram considerados cidadãos plenos, pelo contrário, eram vistos e tratados como problemas a serem resolvidos para garantir maior expansão econômica.
Reconhecimento dos povos indígenas no Brasil
Quando falamos sobre visibilidade indígena, ainda falta muito para alcançar um patamar de equidade, dado que esse cenário de exclusão passou a ser mudado nas últimas décadas, graças a luta dos povos indígenas em prol do reconhecimento de seus direitos.
Neste quesito, podemos destacar alguns marcos:
- Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes (Organização Internacional do Trabalho – OIT, 1989)
- Declaração Universal das Nações Unidas para os Direitos dos Povos Indígenas (ONU, 2007).
- Mudança na Constituição Brasileira e no Código Civil (2002): No Brasil, os povos indígenas eram considerados “relativamente incapazes”, termo que estava no Código Civil Brasileiro de 1916, e se manteve até a Constituição Brasileira de 1988. Com a mudança, indígenas passaram a ser considerados pela lei como cidadãos brasileiros com plenos direitos políticos, econômicos e sociais.
Com essas mudanças e a crescente luta e resistência nos processos de demarcação territorial das terras indígenas, passou a ocorrer um fortalecimento dos povos indígenas. Seja no âmbito de criação de políticas públicas, implementação de projetos e no protagonismo social e político por meio de suas lideranças e organizações.
Termos e expressões para tirar do vocabulário
A falta de conhecimento e familiaridade com a luta indígena é apenas um dos fatores que contribuem com o apagamento histórico desses povos, e isso reflete na nossa língua. Palavras e expressões também podem dar continuidade a uma história discriminatória e etnocêntrica.
Alguns desses termos reforçam um estereótipo folclórico e preconceituoso, como, por exemplo, a ideia de que uma pessoa indígena somente pode andar nua, afastada da “grande cidade”, não usar celular ou qualquer outro aparelho eletrônico e até mesmo não frequentar a escola.
Esse tipo de pensamento contribui com a invisibilização desses povos, dado que no imaginário social só é possível ser um “cidadão comum” ou “uma pessoa civilizada”, se ocorrer um processo de apagamento étnico. Ou seja: se a pessoa abandonar suas tradições e viver de acordo com o sistema de trabalho e produção capitalista.
Portanto, para alcançarmos mudanças estruturais, também é necessário repensar como podemos contribuir, no nosso dia a dia, com a mudança desse cenário. Confira algumas palavras e expressões para retirar do vocabulário:
“Tribo“: em geral, é utilizada para descrever os povos sob um olhar ocidental e reforça um estereótipo de que são selvagens. O correto é “aldeia” ou “comunidade”, além de buscar citar a etnia
“Índio“: palavra que também reforça a ideia de que indígenas são primitivos. O certo é “indígena”, que significa “aquele que está ali antes dos outros” ou “natural do lugar que se habita”, pois o significado está mais alinhado à ideia de pluralidade dos povos originários
“Programa de índio“: expressão de conotação negativa, que refere-se a algum evento ou ação que pode ser considerado entediante. Além de discriminatório, associar esse termo aos povos indígenas contribui com o apagamento das crenças e conhecimentos dessas comunidades.
“O Brasil foi descoberto em 1500″: as invasões europeias, desde o século XVI, nas Américas foram devastadoras. Nosso país não foi descoberto, foi invadido e sofreu um extermínio de indígenas. Apesar dos dados não serem exatos, estima-se que, na época, havia entre cinco e dez milhões de indivíduos, e atualmente, o número foi reduzido para cerca de 900 mil povos indígenas no Brasil.
Confira este vídeo com a artista Katú Mirim, em que ela conta sobre suas vivências enquanto mulher indígena e comenta algumas frases que ela sempre escuta e deveriam ser evitadas:
Como minha empresa pode apoiar a causa indígena?
Sabia que, dentre as 500 maiores empresas para se trabalhar no Brasil, nos quadros de Conselho Administrativo e Executivo, a população indígena não consta com nenhum representante?
Os dados são do Instituto Ethos, que também apontam que em posições de Gerência e Supervisão, temos a presença de apenas 0,1% indígenas. Confira algumas dicas, baseadas na Proposta de Diretrizes Brasileiras de Boas Práticas Corporativas com Povos Indígenas – Núcleo de Articulação Intersetorial (NAI).
1. Alinhe projetos de investimentos sociais da empresa com as políticas públicas de diversas áreas e de ações afirmativas, para potencializar projetos voltados aos povos indígenas.
2. Garanta a inserção da temática indígena desde o estágio inicial dos procedimentos, analisando riscos e oportunidades de implementação de novos projetos e empreendimentos.
3. Qualifique as pessoas da organização sobre direitos indígenas e aspectos socioculturais e políticos dos povos originários.
4. Promova a geração de emprego e renda, e estabeleça parcerias com empreendedores indígenas. Busque priorizar aqueles localizados na área de influência da empresa.
5. Acompanhe o trabalho de organizações, projetos e movimentos de articulação de povos indígenas.
6. Procure consumir de empresas que tenham responsabilidade socioambiental e busque praticar o consumo consciente.
7. Consuma conteúdos feitos por pessoas indígenas, desde livros, obras audiovisuais, entre outros formatos para conhecer novas narrativas.
8. Não reproduza falas e expressões estereotipadas que reforçam ideias preconceituosas, procure combater ativamente e adquirir conhecimento sobre o tema.