“Mulheres são mais emotivas”, “isso é coisa de homem”, “ela está assim porque deve estar de TPM”. É bem possível que você já tenha ouvido frases como essas, que reforçam estereótipos de gênero, seja dentro ou fora do ambiente de trabalho.
Esses estereótipos surgem como forma de atribuir características específicas, baseados em construções sociais aos gêneros. Muitas dessas falas e comportamentos vêm do que chamamos de vieses inconscientes, que funcionam como atalhos mentais, ou seja, uma espécie de piloto automático dos nossos julgamentos e decisões.
E quando automatizamos pensamentos sobre pessoas, em geral partimos para generalizações baseadas em estereótipos de raça, classe, etnia, idade, gênero, orientação sexual e outros. Esse processo de criação de estereótipos ou crenças foram incorporados sem que nos déssemos conta ao longo dos anos de nossas vidas e ditam comportamentos que acabamos naturalizando.
Um exemplo de estereótipos de gênero que foram naturalizados é o que foi evidenciado por especialistas em Harvard. Eles desenvolveram um teste chamado Teste de Associação Implícita para melhor compreender a atuação dos vieses e evidenciaram, por exemplo que: 76% das pessoas associam homens à carreira e trabalho profissional e mulheres à família e ao lar.
Como os estereótipos de gênero atingem a carreira das mulheres ao redor do mundo? Quais são os vieses mais comuns e como evitá-los? Neste texto vamos explicar cada um desses pontos, além de dicas de como sua organização pode ajudar contribuir com a construção de espaços mais inclusivos.
O que é estereótipo de gênero?
Antes de mais nada, é preciso compreender a diferença entre sexo e gênero enquanto conceitos.
Sexo é um conjunto de características biológicas que a pessoa tem ao nascer, incluindo a composição de cromossomos, genitália, composição hormonal, entre outros. Não é um conceito binário, composto apenas de masculino e feminino, já que também existem pessoas que são intersexo, ou seja, que nascem com uma genitália ambígua.
E o gênero? Trata-se de uma construção social da modernidade. Isso quer dizer que tudo o que conhecemos como “coisas de homem” ou “coisas de mulher”, ou seja, os papéis de gênero são uma elaboração cultural, algo criado para diferenciar e hierarquizar as pessoas a partir do sexo.
Por conta dessas diferenças conceituais, temos uma espécie de “contrato social de gênero”, ou seja, um conjunto de normas implícitas e explícitas que ditam as relações de gênero — e atribuem a homens e mulheres diferenças de trabalho e valor, bem como de responsabilidades e obrigações.
E por que é importante saber disso? Porque os papéis de gênero que atribuímos às pessoas são os responsáveis por todos os estereótipos produzidos em nossa sociedade. A ideia de que:
- Mulheres são naturalmente cuidadosas;
- Algumas profissões são mais masculinas, como engenharia, medicina, direito e outras são mais femininas, como enfermagem, pedagogia, psicologia;
- De que esportes são coisa de homem;
- De que mulheres são mais frágeis e delicadas;
- De que mulheres dão conta de mais atividades por vez, são multitarefas;
- De que mulheres são naturalmente maternais;
Esse conceito também está relacionado ao estudo de Judith Butler (“Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade”), onde a autora aborda sobre a performatividade de gênero.
A partir dos conceitos de Butler, podemos entender que performatividade é a repetição de atos e comportamentos que dão uma aparência de que se nossas ações, repetidas incessantemente, moldam nossa identidade como se fosse algo natural. Ou seja, nós treinamos e repetimos ações com base em moldes de gênero.
Como os estereótipos aparecem dentro das empresas?
Por que é importante entender esses conceitos? Que diferença isso faz pra minha organização? Saber disso ajuda a desnaturalizar aquilo que consideramos atribuição apenas das mulheres e ajuda a romper com a ideia de que existe uma essência feminina.
No final das contas, pensamos uma história sobre as mulheres e depois criamos meninas para se encaixarem nessas histórias, e elas repetem tanto essas ações que as ensinamos que, eventualmente, acreditam que essa é sua forma natural de ser.
Segundo o relatório Global Gender Gap Report (Relatório Global sobre a Lacuna/Diferença de Gênero), do Fórum Econômico Mundial, o Brasil figura a 130º posição em relação à igualdade salarial entre homens e mulheres que exercem funções semelhantes, em um ranking com 153 países.
Isso significa que as mulheres enfrentam um cenário de intensa desigualdade e discriminação no mercado de trabalho do país.
Além disso, elas precisam lidar com o fenômeno chamado de “teto de vidro”. O teto de vidro (glass ceiling) é um fenômeno social que a partir de barreiras culturais organizacionais, familiares e individuais, dificulta o acesso a posições de liderança, principalmente aos mais altos níveis na hierarquia organizacional.
Para agravar esse cenário de desigualdades, profissões consideradas “de mulher”, como o trabalho doméstico e atribuições de cuidado, são as que têm a menor remuneração. Já na área da educação, existe uma clara divisão, principalmente na rede particular de ensino, onde atuam mais professores homens e com melhores salários.
Vamos a mais alguns dados importantes para que você entenda os resultados dessas disparidades:
- Se seguirmos no ritmo atual, levaremos 257 anos para alcançar a paridade de gênero, de acordo com o Fórum Econômico Mundial em 2019.
- As mulheres trabalham, em média, 7,5 horas a mais que os homens por semana devido à dupla jornada, que inclui trabalho doméstico e remunerado (Ipea, 2015).
- 20,5% é a média que os homens ganham a mais que as mulheres, no mercado de trabalho (IBGE, 2018).
- 3 em cada 7 mulheres sentem medo de perder seu emprego se engravidarem e 22% delas não conseguem voltar ao mercado após a chegada dos filhos.
- Segundo o Instituto Ethos, apenas 0,4% de mulheres negras ocupam cargos de alta liderança nas 500 maiores empresas do Brasil.
- Segundo uma pesquisa da consultoria Ipsos de 2019, 3 em cada 10 pessoas no Brasil não se sentem confortáveis em ter uma mulher como chefe.
Quais estereótipos de gênero as mulheres enfrentam nas organizações?
A organização sem fins lucrativos Lean In, fundada pela autora do livro de mesmo nome, Sheryl Sandberg, realizou uma curadoria de estudos para identificar os principais vieses enfrentados por mulheres no ambiente de trabalho. Nesse estudo foram compiladas mapeados os 6 vieses que mais atingem as mulheres e que podem impactar suas carreias. São eles:
- Viés de performance: indica que tendemos a subestimar a performance de mulheres e superestimar a performance de homens. Como resultado, elas normalmente tem que fazer mais e conquistar mais para provar que são igualmente competentes. Esse viés frequentemente se traduz em menos oportunidades e avaliações de performance baixas.
- Viés de atribuição: como temos uma tendência a achar que mulheres são menos competentes, ocorre também uma maior probabilidade de dar menos crédito a elas por suas conquistas e de culpá-las por erros, mesmo quando mais pessoas trabalharam juntas na mesma tarefa. Por serem cobradas por padrões mais altos, recebem menos crédito, têm menos influência e são mais culpabilizadas por fracassos, portanto o nível de autoconfiança e segurança é mais baixo. Por exemplo, em momentos de avaliação de desempenho, mulheres preveem que terão uma performance pior do que de fato tem, enquanto os homens preveem que terão performance melhor.
- Viés de simpatia: Esse viés indica que esperamos que mulheres sejam mais agradáveis, dóceis e harmônicas, e por isso, recebem penalidades sociais por serem assertivas. É esperado que homens sejam assertivos e liderem, parece natural. Em contrapartida, esperamos que as mulheres sejam gentis e pensem no coletivo.
- Viés de maternidade: mulheres que se tornam mães são percebidas como afastadas do trabalho e suas capacidades profissionais são ainda mais subestimadas. Como resultado, as mães normalmente recebem menos oportunidades e são avaliadas com critérios mais rigorosos do que homens que se tornam pais. Mães tem 79% menos probabilidade de serem contratadas, têm 50% menos probabilidade de serem promovidas e recebem salários menores.
- Viés de afinidade: conceito que nomeia nossa tendência a nos aproximarmos de pessoas que são mais parecidas com a gente, que são similares em aparência, crenças e histórico de vida. Como homens brancos são maioria em posições de poder e liderança, a tendência é a de contratar pessoas semelhantes, e por serem mais propensos a fazer uma avaliação positiva de outros homens parecidos com eles, esse viés tem um efeito particularmente negativo nas carreiras de mulheres e pessoas negras.
- Discriminação dupla ou interseccionalidade: mulheres racializadas, negras e indígenas, são particularmente sub-representadas no meio corporativo. Comparado com mulheres brancas, mulheres racializadas experienciam menor apoio de suas lideranças, menor acesso à alta liderança e demoram mais tempo para receber promoções. A mesma dinâmica ocorre para mulheres da comunidade LGBTI+: pesquisas apontam que mulheres lésbicas têm mais dificuldade de manter seus empregos do que mulheres heterossexuais. Esse viés também é intensificado para mulheres trans e travestis, que sofrem uma verdadeira segregação no mundo corporativo, onde apenas pessoas com passabilidade (características físicas de um indivíduo cisgênero), acabam conquistando vagas.
Dicas de como criar ambientes mais inclusivos para mulheres
Um levantamento produzido pelo Instituto Patrícia Galvão, em 2020, revela que 76% das mulheres já foram vítimas de violência no ambiente de trabalho.
Mas, afinal, quais são os tipos de violências que podem ser vividas por mulheres no mundo corporativo?
A Cartilha “ABC da violência contra a mulher no trabalho” produzida pela Procuradoria-Geral identifica algumas modalidades de violência inspiradas na classificação adotada pela Lei Maria da Penha, que são: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
O material traz uma imagem ilustrativa que aponta como todos os tipos de violência de gênero tem como base os estereótipos, a divisão sexual do trabalho e o próprio patriarcado. Confira abaixo:
Pensando em como as organizações podem apoiar a igualdade e equidade de gênero no dia a dia de trabalho, separamos algumas dicas práticas:
- Ouça com atenção plena e dê a palavra para mulheres da sua equipe.
- Aprenda sobre o tema, estude sobre gênero e acompanhe o conteúdo de mulheres diversas e pessoas não binárias.
- Reconheça seu privilégio. Privilégio é a ideia de que uma parcela da população tem vantagens sociais, políticas e econômicas sobre outras pessoas apenas por suas condições de origem. Por exemplo, um homem hétero, branco, de classe média está protegido do racismo, do classicismo, da homofobia e de muitos outros tipos de discriminação.
- Confronte outras pessoas caso veja piadas, comentários ou atitudes machistas. Muitas vezes o silêncio acaba reforçando e permitindo práticas desrespeitosas e equivocadas.
- Evite falas que reforcem estereótipos de gênero que atribuem características específicas, baseadas em construções sociais, como:
- “Essa é uma profissão de mulher”
- “Mulheres são mais emotivas, deixam o ambiente propício a intrigas e fofocas”
- “Ela está assim porque deve estar de TPM”
- “Ela é muito mandona” (mulheres são recorrentemente chamadas de mandonas, simplesmente por demonstrarem maior assertividade)
- “Como assim você não quer ser mãe?”
- “Ela não trabalha, ela cuida dos filhos”
- “Mas uma mulher trans não é uma mulher de verdade”
- Não reforce estereótipos que naturalizam ou romantizam a sobrecarga feminina. A ideia de que mulheres são fortes, guerreiras ou “mulher-maravilha” reitera um papel social inalcançável, normalizando a dupla ou até tripla jornada delas e gerando forte pressão em cima daquelas que não o atingem. Este estereótipo pode gerar grandes danos à saúde mental e fazer com que elas tenham dificuldade para pedir ajuda ou engajar-se em autocuidado, por estarem lidando com a carga mental.
- Não reforce estereótipos que potencializam a rivalidade entre mulheres. Dê luz para a sororidade, que é o conceito que fala sobre o apoio recíproco entre as mulheres para conseguir o poder para todas e cada uma.
- Não interrompa as mulheres. Esse conceito é chamado de manterrupting. Pesquisas mostram que as mulheres são, em média, 3 vezes mais interrompidas do que homens, mesmo que a mulher possua o mesmo ou maior conhecimento sobre o tema.
- Não fale com uma mulher como se ela não entendesse (ou não fosse capaz de entender) o tema. Esse conceito é chamado de mansplaining.